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domingo, 6 de março de 2016

Holly Holm vs Miesha Tate – strategy


            A uns meses Amanda Nunes desafiava Miesha, ao que tudo indica, a ex-campeã do Strikeforce não aceitou a luta, e realmente o risco que ela corria com este confronto era suficiente para deixá-la ainda mais longe do sonho no UFC.
            Nos esportes realmente interessantes o que ocorre é que melhores e “piores” podem não ser padrão, em se tratando de nível top, o que conta muito é o estilo de jogo, que pode combinar com uns e ser prejudicial a outros, por isso lembramos que a fórmula não existe, quando por uma série de questões Rousey vence Tate duas vezes, Rousey perde de forma brutal para Holm e de outra maneira, não menos chocante esta perde para Tate quer dizer simplesmente que a complexidade da união de técnica, habilidade e estratégia é que compõe seus resultados.
            Na transmissão do canal Combate acompanhei avidamente os comentários dos mestres, e mesmo antes de qualquer desfecho já os tinha como errados, mesmo que Miesha não vencesse, eu sabia que Artur Mariano e Kyra Gracie apesar de especialistas da prática de luta lhes carece a visão total do combate. Artur dizia que Miesha devia tentar algo e que Holly deveria ser mais agressiva, porém, se assim o fosse ambas não mereceriam as glórias que o esporte reserva. Ambas foram perfeitas, e até por isso a luta tendeu a certa chatice.
            A desafiante não baixou em nenhum momento aquela mão direita a proteger sua cabeça do terrível chute de perna esquerda da campeã, aquele chute que lhe rendeu o titulo. Imagino que sua postura e seu mapeamento no cage foram treinados incansavelmente, assim como a entrada de queda, possível apenas no segundo round, que porém lhe renderia um 10 a 8, e uma oportunidade que se deixada seria incrivelmente difícil de conseguir novamente, tanto é que foram precisos mais de dois rounds e meio para que novamente tivesse tal condição. Confesso que no segundo round em certo momento achei que tinha acabado. No corner seu namorado treinador lhe fala, “agora você viu que pode vencê-la”, de fato, aquele round deu fé à Cupcake, tanto que se manteve na estratégia, não caiu na loucura de outras oportunidades, quando saia trocando socos abertos, contra a multicampeã mundial de boxe isso era suicídio.
            Já a campeã não podia partir pra cima como fez com Ronda, pois ela não tinha controle da distancia, justamente porque tinha que defender as quedas daquela que não atacava de forma impensada como fez a judoca quando derrotada. Ela precisava esperar o momento e também manter certa estratégia.
            Amanda Nunes venceu sua adversária nesta mesma noite, foi instigada por Joe Rogan a comentar a luta pelo título, e claro, disse que torcia para Miesha, pois seria a grande oportunidade de se enfrentarem, pois nada mais normal de duas ex-campeãs que perderam de forma indiscutível não devam disputar o cinturão antes de fazerem ao menos outra luta, e a brasileira, que a muito vem galgando com sucesso sua campanha, que chegue sua hora.
            O espírito do esporte tem as suas belezas manifestas quando destrona o óbvio, e foi assim que ele escreveu mais um ponto surpresa na história. Simplesmente a estratégia visualmente não atrativa da desafiante apenas corroborou à sua genialidade, nos segundos que faltavam para o fim da luta, ela precisava daquilo, e com a garra e o amor por aquilo, por tudo que aquilo representava, ainda de pé com o pescoço da campeã em seus braços ela jamais soltaria aquela oportunidade, assim como sua adversária, a doce “filha do pastor”, a incrível artista marcial, com o espírito dos maiores mitos do esporte de combate, lutando pela sobrevivência no desespero, se atira ao chão, mas mesmo assim, Miesha não largou aquele pescoço, e esperando até o ultimo momento quando a existência se petrifica num ato de glória, não mais pessoal, mas de sentimento público, Holm espera, até sentir o ar ficando mais raro, então já não há saída nem corpo, como que num espasmo seus braços dançam no ar, ela já não é campeã, e seu corpo reconhece isso antes do cérebro, apagada, coberta pela fumaça da estratégia que abarca limites, Miesha Tate tem seu merecido título, consciente de que há melhores lutadoras, com técnicas talvez mais eficientes, mas sabendo que para receber o cinturão de campeã mundial é preciso muito mais que isso.
            Esperamos agora que Amanda Nunes use isso a seu favor, e que o UFC pense no esporte mais que no dinheiro na hora de dar o próximo passo. Assim já defini como será a próxima disputa da categoria, num evento do UFC numerado que teria na co-principal Holm e Rousey definindo a próxima desafiante, que enfrentaria a vencedora da luta principal, Tate e Nunes. Aguardemos!

Diego Marcell

6/3/16

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Gracie vs Shamrock 3

Já é um clássico. Revivido, resonhado, em tom de pastelão, com um Shamrock de olhar desnorteado desde a apresentação midiática semanal, de riso borrado e bege, mascarando a mágoa brega da trilogia tardia, já passados vovôs, já definidos em eterna glória histórica dos céus mais plasmados em mito na nossa inconsciência coletiva de espetacularização, onde a efemeridade se materializa, é incrível que apesar de tudo, do freak show bem executado na luta anterior ao grande show, na preliminar, no co-evento principal, Kimbo Slice e Dada 5000, de figuras impares do estereótipo das gangues, dos submundos e dos marginais, aquelas figuras grotescas como os coadjuvantes mais divertidos das jornadas de filmes b, de forma como um leigo tacharia de fake, but ... isso é realidade pura, vida pulsante de toda a história humana que não troca sua natureza, como o alcance espetacular da sua construção imaginativa assim aquele nocaute autoaplicado pela figura pelo físico e pela mente do coadjuvante, ex-segurança, organizador de lutas “clandestinas”?, com duas vitórias no MMA profissional, uma verdadeira figura de desenho da Hanna Barbera, mesmo com incríveis chances de vencer, foi vencido pelo próprio corpo, ou quem sabe falta de preparo, pois o show é maior, e como amadores? Ou profissionais do grande valor de troca de nossos tempos ele vai lá e se deixa levar numa realidade paralela, mas era o terceiro round onde se entrega e permite ainda que o sem nenhuma condição de em slow motion finalizar mas como numa câmera mal colocada no set isso não importava, pois a saída foi real, e tudo ali valeu o espetáculo num circo ou num show de TV, não importa, a tenda sempre estará cheia.
Royce menos preocupado (hipoteticamente) e realmente aquilo era uma grande incógnita, valia tudo novamente, mas aí me surge outra tese, onde o próprio Shamrock fica tão afobado diante do seu algoz que ele mesmo estraga tudo e corrobora com a justiça da história, ou seja, não existe injustiça neste ponto, porque realmente Royce não tinha obrigação nenhuma de parar, pois analisemos, ele deu a joelhada que realmente seria ilegal involuntário, mas Ken Shamrock demorou quase quatro segundos pra reagir, nisso é impossível que um praticante esportivo não tenha um tempo de reação para dar outro golpe, ou seja outra joelhada demonstrando o excelente clinch de muay thai do mestre 6º grau de BJJ(sic), o que se vê em seguida é uma decorrência natural dos fatos; encerrar daquela forma quem o fez foi o próprio derrotado, que se fetalizou (rs), pois sendo assim o arbitro que por mais que tivesse visto a reação tardia do afetado, poderia de fato ter certeza do que fazer, visto o atraso de reação que pareceria um tanto estranho ao ter se dado no momento da joelhada na cabeça?.
Já é um clássico, também o evento, com Melvin Guilard em ladeira abaixo, como outros, mas não importa, pois a grande lenda estava lá revivendo seu maior clássico, 23 anos, 21 anos, a vitória definitiva, depois o empate mais suado e agora o desfecho mais icônico à realidade possível neste período histórico, já o é, Royce com a mesma expressão e o mesmo espírito que só o deixou naquela luta com Matt Hughes, agora seria diferente, seria como seu pai nos duelos em preto e branco, já veterano, Royce hall da fama do UFC embaixador do Bellator, suficientemente para mexer com o mundo dos superatletas, da linhagem milenar, Royce com uma bolsa que deve ter valido, num espetáculo que com certeza valeu.
Enquanto Shamrock sonha com um único soco que apague a legenda, Royce somente com aquelas velhas armas que agora mais que à 20 anos, seria suficiente para enterrar os sonhos do grande antagonista, o perfeito antagonista dos filmes de verão numa Miami em 1993 (ou Denver, que seja) da Sessão da Tarde, agora só se for nas madrugadas do Corujão, sendo cada vez mais difícil crer que aquele seja “o homem mais perigoso do mundo”, não importa, o roteiro e o legado estão postos e confirmados, uma trilogia para ocorrer já deve ter sigo clássico no primeiro, sendo confirmado no segundo e apenas comemorado no terceiro, quanto a um quarto? Corre-se um risco.
Apenas confirmava com um aceno de cabeça, sem qualquer escassez de ar, ele poderia passar mais uma hora e meia como com Sakuraba, ou até três horas como fez o mestre Hélio certa vez, mas desta vez não, se a primeira vez foi o que foi por ser insubstituível, na segunda a margem para que esta fosse assim, um TKO no primeiro round, a novidade, o improviso, e a diversidade das caminhadas.
O que mais poderíamos dizer? Poderíamos passar o dia falando das mitologias e seus locais próprios, mas não, basta dizer que:  já é um clássico!

Diego Marcell

22/2/16

domingo, 15 de novembro de 2015

O êxtase de Holly Holm ou Como humilhar o fodão parte 2


            Hollywood quer estrelas, e os mestres do espetáculo sabem fazê-las, por isso Ronda Rousey era a nova carinha nos filmes... enquanto isso, num outro estúdio da industria do cinema eram reunidas a máquina de destruição dos pesos penas Cris Cyborg com 12 nocautes das suas 14 vitórias, sendo 7 no primeiro round; mais a ex-campeã peso galo do Strikeforce Miesha Tate e também a multicampeã mundial de boxe e que em sua carreira no MMA antes de entrar para o UFC tinha vencido suas 7 lutas sendo 6 por nocaute, Holly Holm.
            Depois da épica promoção da ultima luta da Ronda, não parecia muito atrativa a trilogia desta com Miesha, apesar de todo merecimento, mas com duas derrotas em duas disputas de título, então chamaram a invicta ex-campeã peso-galo do Legacy que apesar de duas vitórias no UFC não havia convencido, sendo que venceu suas duas lutas na organização por decisão, sendo a estreia vencida por decisão dividida.
            Como negar tal oportunidade? Caída em seus braços, já que era apenas a 7ª do ranking, ela não fez estardalhaços, de forma oposta a Bethe Correia ela não falou, ela não exagerou, não pecou por nenhum excesso, apenas seguiu o protocolo.
            Perdi a pesagem oficial da luta, mas chegou a mim que havia um burburinho, que a desafiante havia agredido a campeã e todos estavam eufóricos, corri ver o vídeo e a meu ver não havia passado de mais uma peripécia da temida judoca, claramente frustrada, já que enquanto a desafiante bebia sua água tranquilamente, Ronda com sua tradicional cara amarrada disparou sobre a adversária naquelas famosas encaradas rosto a rosto, mas o detalhe que foi inclusive esclarecido pela própria Rousey era que esta sabia que a Holm costumava por seu braço por fora na hora da encarada e ela não queria permitir isso, o que casualmente não foi empecilho a desafiante, acabando por tocar o rosto da até então campeã. Mas o mais incrível foi que apesar de toda exaltação de Ronda Rousey, Holly Holm permaneceu placidamente inexpressiva aguardando qualquer próximo gesto, inclusive tratando com ironia a situação quando entrevistada por Joe Rogan; já Ronda aproveitou para realizar seus discursos de ódio no melhor estilo Bethe Correia, ao dizer que a adversária era falsa e que toda esta aparência de boazinha era apenas atuação e que ela seria desmascarada no dia posterior.
            Chegamos enfim ao dia posterior, e como uma verdadeira disputa de título com duas verdadeiras lutadoras invictas, a desafiante se mostrou sábia, experiente e treinada, bailou, manteve a distancia que mostrou que todo seu currículo de boxer era aplicável contra uma judoca medalhista olímpica, e agressiva. Holly frustrou a super-heroína, com seu boxe ela machucou como ninguém havia feito o rosto da temível e turbulenta “Rowdy”, e ao cair no chão não caiu no desespero, se levantou, bateu novamente e quando agarrada, então derrubou a especialista em quedas no fim do round para novamente se levantar e ser a primeira a vencer um round da então campeã.
            Começa o segundo round, e Holly Holm volta com seu balé, anunciada como Kickboxer ela quase não chutou, evidentemente para evitar a possibilidade de quedas, mas em dado momento ela sola o rosto de Ronda, em outro momento ela ginga como Mané Garrincha e num drible de corpo faz a adversária ajoelhar, nunca havia tido humilhação maior, a mais fodona, aquela que humilhou a todas, agora era frustrada, coisa que não se viu nem entre Anderson Silva e Chris Weidman, lá todo enredo da luta  foi outro, portanto o tipo de humilhação de fodão havia sido outro, mas agora o que ocorria era prático, material, físico, consciente, racional; a filha do pastor, assim como a azevinho está nas festas de fim de ano, mas é toxica dependendo da quantidade, introduzida na  América do Norte e Austrália, onde é, por vezes, considerada como uma planta invasivaem Melbourne contra a heroína dos norte-americanos ela foi tudo isso, ao guardar o melhor dos chutes que haviam lhe rendido cinco outras vitórias para apagar com KO clássico a arrogância dos perfeitos.
            Mas pra mim a cena mais bela, que corrobora com toda a história que foi construída se faz na inexpressividade extática do rosto e da atitude da nova campeã perante uma desconstruída Ronda Rousey fragilizada nos braços dos seus, quando Holly Holm comemora como uma automata fria, podemos ter certeza que por dentro ela fervia como na casa das máquinas o calor mais humano de derrubar impérios; de joelhos contempla a cena, como quem grava para a eternidade aquela imagem, como quem é tocada por um anjo do futuro, como uma inexplicável figura ela experiência o mistério em seu momento mais sublime, em silencio, certamente ela está pronta para virar uma escultura de Bernini.

Diego Marcell

15-11-2015

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Silva vs Diaz ou Nietzsche e o espírito dos fortes


            Quando o Anderson Silva quebrou a perna eu havia escrito uma crônica onde dizia que aquele Anderson Silva havia entrado com a força e habilidade pra surrar qualquer um, mas não havia entrado com o espírito que lhe garantiu tantas defesas de cinturão. Na primeira luta com Weidman ele havia entrado na mente do adversário, já tinha 50% da luta, mas deixou escapar seu domínio pelo excesso, coisa que na segunda luta não aconteceu, ao entrar sem o domínio mental ele canalizou todo seu ser na força e na técnica e acabou sendo derrotado por si mesmo ao dar murro em ponta de faca.
            Quando fez sua luta no Brasil contra o Okami ficou claro que o japonês perdeu pra sua própria mente, era um espírito fraco, incapaz de lutar. Nietzsche diz que os fracos não conseguem vingar neste mundo e portanto desejam excluir seus adversários que por serem fortes os consideram maus, fazendo a partir desta conclusão a noção de bom; já os fortes se veem bons e apenas desconsideram os fracos, os veem como desnecessários, pois estes nada podem agregar aos fortes; o bom quer outro semelhante para enfrentar pois testar-se contra outro tão bom é que o fará evoluir, essa lógica se aplica na luta, neste caso no MMA e naqueles que desejam ser campeões mundiais. Muitos querem este título sem enfrentar os melhores, claramente não possuem a mente necessária.
            Nick Diaz queria George St Pierre, ele acreditava que era melhor, e ele só queria este tipo de luta, luta que interessa. Deem uma boa grana e ele enfrenta qualquer um, ofereçam Cain Velasquez e ele irá encará-lo. Diaz é das ruas, ele é um gangster, não como Sonnen, apesar de este também ser um espírito forte, que mesmo não tendo uma carreira relevante conseguiu convencer o mundo de que ele era o melhor (pelo menos por alguns dias). Diaz nunca quis isso, seu modo é outro, ele não segue o estilo McGregor, na verdade ele não segue nenhum estilo desses, ele é diferente de todos, ele é apenas ele mesmo.
            Após a pesagem Diaz disse de maneira calculista que ambos iam subir lá e lutar e isso era tudo, porém cumprir isso era mais do que qualquer um já tinha feito. Ele sempre foi um lutador da categoria dos 77 kg, e Anderson dos 84 com grandes feitos no 93, isso nunca fez muito sentido, a não ser para Diaz. O casamento de luta perfeito, para o público, para o UFC, para o mercado, menos para Anderson Silva. Sinceramente não estava tão curioso quanto a como se apresentaria o ex-campeão da categoria, apesar de todo papo de trauma, etc, mas estava centrado e sem ter ideia de como seu adversário se portaria. Só ele sabia o que deveria ser feito e só ele tinha a mente para fazer o que teria que ser feito. Ele não fez antes, ele não disse antes, como a maioria faz. Ele disse e fez somente quando a gaiola fechou, ele ia encarar, ele tinha programado tudo em sua mente e ela não ia abandoná-lo quando o Anderson Mito lhe chutasse, Diaz é da rua, ele quer briga, e ele não vai correr. Ele chamou, ele deitou e fez pose pra foto, ele parodiou Anderson indo pra grade e perguntando se era assim que fazia, perguntou se agora o Spider faria aquilo, mostraria como era, mas nada, Anderson se manteve contido, se manteve na corda bamba, ameaçou aquele bailado de braços, mas não com tanta soltura quanto Diaz, este foi pra cima, era preciso uma mente mais poderosa que qualquer técnica e qualquer força para para-lo, pois ele sabia que aquilo valeria muito mais que o cinturão perdido pra GSP, valeria mais que a grana do Mayweather, estar ali e frustrar o mundo não tinha preço.
Anderson venceu, talvez os cinco rounds, foi uma vitória pessoal, porém não visual. Ele tem feito conexões importantes pra sua carreira, coisa que tem faltado a José Aldo, por exemplo, ao subir na jaula e abraçar Fábio Maldonado após sua vitória, ao cumprimentar Jon Jones após a luta, ao trabalhar sua imagem, ele aprendeu a jogar o jogo com a idade. Aldo tem tentado, parafraseando Romário ele tenta entrar no jogo, mas nesta área seu adversário já chegou preparado, enquanto o campeão ensaia. Aldo deveria ter se preparado, deveria ter pego sua fantasia de rei e sentado deveria ter aplaudido o bobo, deveria ter subido no octógono após a luta do irlandês e no melhor estilo business deveria ter vestido o personagem e encenado como no Pride, como fazem os grandes fanfarrões/campeões como Tito Ortiz e Rampage, porém isto não faz parte dele, talvez por questões socioculturais, talvez por natureza. Mas importa a cada um encontrar-se, e Diaz é um exemplo, Anderson é outro, assim como Jones, não existem similares, eles são assim. São fortes. Uma mente forte conhece seu corpo e por isso o domina, não foi o caso do Gustafsson, por exemplo, este pensou que depois da sua luta pelo título ele era o verdadeiro campeão, subestimou a força de Anthony Johnson, perdeu porque deixou a mente ir além de onde ela deveria, soltou o balão e deixou o corpo a mostra.
Em ‘Schopenhauer educador’ Nietzsche diz que “o enigma que o homem deve resolver, ele só pode resolvê-lo a partir do ser, no ser assim e não ser outro, no imperecível”, muitos estão neste caminho, mas precisamos ir além, enquanto ontem muito do público do pop Anderson “the spider” Silva não tinham ideia de quem era aquele fracote do seu adversário e não entendiam o que estava acontecendo, hoje eles passaram a saber que existe Nick Diaz e tudo porque dentro da teoria nietzscheniana existem transmutações que o espírito deve passar: ele deve tornar-se camelo, depois de camelo para leão e finalmente de leão para criança. O estágio do leão é aquele que quer encontrar a liberdade e se tornar senhor do seu próprio deserto, este quer lutar contra seu maior adversário, contra o ultimo deus, contra o grande dragão, porém ainda é preciso transformar-se em criança, isso Nietzsche nos ensina em ‘Assim falou Zaratustra’, pois ela pode o que nem o leão pode, e naquele UFC 183 não bastava ser leão, Silva vs Diaz, que incrível fenômeno presenciamos, nenhum vexame, nenhuma vergonha ao esporte ou aos seus deuses, tudo porque como diz o filósofo alemão sobre o último transmutar do espírito “inocência é a criança, e esquecimento, um começar-de-novo, um jogo, uma roda rodando por si mesma, um primeiro movimento, um sagrado dizer-sim. Sim, para o jogo de criar, meus irmãos, é preciso um sagrado dizer-sim: sua vontade quer agora o espírito, seu mundo ganha para si o perdido mundo” e foi justamente isso, Anderson venceu para os juízes, mas Nick Diaz venceu para o espírito do esporte, mostrando que já são outras coisas que importam ele transformou-se num criador de valores simplesmente por subir lá e lutar; tudo que disse após a luta foi real, ele ria, porque ele vive, para Nietzsche viver é o dionisíaco e saber é apolíneo, quando Anderson perdeu seu título ele vestia uma camiseta que dizia que ele sabia, assim como Apolo ele dominava sua técnica, mas é preciso ir além, ir para Dionísio e experimentar a vida como nunca antes, e é isto que Nick Diaz nos ensinou neste dia, ser criador de novos valores, tão mitológico por ser demasiadamente humano!

01-02-2015


Diego Marcell é formado em Teologia e faz especialização em Ensino de Filosofia no Ensino Médio. Autor do livro Crônica da filosofia brasileira – pós-modernidade, metafísica e estética no cotidiano. 

domingo, 29 de dezembro de 2013

Como morrem os mitos ou MMA e heróis contemporâneos


            Mito no grego quer dizer relato, narrativa, servia como descrição através de alegorias dos mistérios do universo, os deuses como representação, mas também pode ser o arquétipo que dá poder a ação humana (VOZES, p. 323), o homem, portanto, busca realizar este modelo sobre a terra, apesar do mito estar no campo do sagrado, o ser humano cria mitos a todo o momento, o mito é um produto do espírito popular (BRUGGER, p. 349), e é fácil para a mente humana crer nas próprias invenções mitológicas, talvez por ser a razão uma dubitável fonte de controvérsias, este campo que tem o poder da autoconsciência é o mesmo que produz externas abstrações, projeções fantásticas que acabam sendo aderidas como realidades. O esporte desde muito é uma fábrica destas produções, os próprios atletas gregos serviam como representações dos deuses, suas forças e técnicas sobrepostas aos demais o levavam ao Olimpo virtual. Hoje o MMA, as artes “marciais” misturadas, são a melhor forma de produzir estes arquétipos, pois é o local onde dois seres humanos treinados, especializados em técnicas podem provar única e exclusivamente como indivíduos os seus “poderes” físicos e mentais diante do outro que está na mesma situação e com as mesmas condições, se não completamente, pelo menos sob determinadas regras que aproximam o duelo disto.
            O extinto evento japonês PRIDE foi criado para ratificar mitos nacionais, porém ele auxiliou na criação de um mito brasileiro, Rickson Gracie venceu suas 11 lutas finalizando os adversários com a técnica desenvolvida por seu pai, após a aposentadoria e toda aura que envolvia uma possível ultima luta daquele que é considerado o maior lutador da família, o mito foi cravado, foi confirmado, a lenda ainda vai além, consta que em todas as modalidades de luta que praticou, foram mais de 300 lutas e nenhuma derrota, apesar dos boatos de haver uma derrota numa competição de Sambo, o que tempera ainda mais o personagem. Aposentado o homem Rickson parte para outras ideologias, mais espiritual ele fortifica a mística que o envolve se aproximando do monge, do antigo sábio oriental. Já seus irmãos, inclusive o Royce que dentro da historia é ainda mais importante, mas que não entrou na esfera da deidade, mas está mais para herói, ou seja, o semideus, filho da divindade da técnica e da falha humana, em todos estes conceitos sempre me atraiu mais a ideia do herói que do deus, e mais ainda do anti-herói que do herói, detalhe que o anti-herói não é o antagonista ou o inimigo, mas continua sendo o ator principal da peça, porém completamente sujeito a fatalidade humana.
            O Brasil tem certa dificuldade de crer em seus mitos e principalmente de exteriorizar seus feitos, coisa que os norte-americanos possuem pós-doutorado, pois pra transformar Griffin vs Bonnar numa grande marca, há de se perceber o valor disso, já o Brasil parece esquecer até que esta é a terra de Hélio e Carlos Gracie.
Vou usar um exemplo de como é fácil produzir um mito e como há uma aura mitológica no MMA diferente de outros esportes, já que uma vitoria ou uma derrota possui força de tragédia grega ou de relato rodriguiano, decreta um aspirante a mito ou encerra a carreira de um grande atleta... levando estas considerações vamos ver como Chael Sonnen convenceu o mundo de que ele é o maior de todos, e admito que o estilo dele, não de luta mas de conduta é muito interessante, estes caras que não precisam de extenuantes preparações destinadas a um tipo de adversário, pois é um lutador que tem um único estilo e sempre vai lutar daquela forma, seja com quem for, a que horas for, isto sai completamente do campo do super atleta e segue para lugares mais humanos, além disso um cara extremamente inteligente e articulado que usou as palavras para convencer o mundo que era superior aos mitos, ele levou sua mitologia do campo físico somente ao campo do signo, fazendo do composto físico/mente apenas o elemento mental, evidenciando que a nossa espécie é realmente sujeita principalmente a razão e suas nuances, pois como um lutador limitado tecnicamente poderia sobrepujar Anderson Silva? Tanto é que no mínimo desequilíbrio mental que pode ter o atingido foi suficiente para que ele deixasse de representar o personagem criado para o momento de superioridade e se encolhesse na posição fetal de um indefeso. Tanto é que aquele que beirou duas vezes a segurar o titulo mundial caiu rapidamente diante de um típico campeão mundial sem expressão como Rashad Evans, porém passível de virar mito sob os poderes do Tio Sam. Muito superior a estes dois, mas que possui características muito particulares é Lyoto Machida, este também mais próximo do humano consegue elevar a técnica do karatê ao patamar da funcionalidade graças a consciência e sua descendência japonesa atrelada ao tempero brasileiro. Já Vitor Belfort está mais para um monge cristão, do tempo da escolástica, muito criticado e muito amado, admito que é muito divertido todo aquele discurso que se mistura entre a sabedoria das metáforas e os deslizes idiotas da irreflexão, porém é um cara que também foi abençoado por peculiaridades, e num país onde atletas gaguejam dialetos incompreensíveis ele conseguiu unir o espírito do capitalismo de oportunidades dos Estados Unidos com sotaque carioca, um cara que conseguiu o aprimoramento técnico numa época em que as pessoas da sua geração se não estão aposentadas estão em decadência, deve levar algum mérito nisso.
            Agora finalmente podemos chegar ao ponto fundamental desta reflexão: Anderson Silva. Este é realmente um grande mistério, um mito à la brasileira, e talvez por isso não tenha dado certo como mito, não como o maior lutador de todos, aqui ele deixou provas suficientes para esta glória. Não bastava ser já o maior lutador e recordista de defesas de títulos mundiais, precisaríamos criar Anderson Silva (the spider?), primeiro ele deveria vencer o único cara até então do ramo conhecido pela grande mídia do país, dizendo que havia aprendido o chute derradeiro com um “mestre de Aikido” que na verdade é só um ator de filmes B de ação, depois ele precisava usar uma camiseta do Corinthians, assinar com a grande empresa promovedora de imagens de atletas pertencente ao maior atleta que já teve imagem explorada na grande mídia e na publicidade, começa aí não um mito, mas um ícone pop, talvez um estágio fundamental para o mito contemporâneo, atuar em vídeo clipe, satirizar a própria voz em comercial de tevê, aparecer na rede Globo, aprender a falar inglês a força (devido o patrocinador), ter o próprio documentário, e participação em novela e no cinema, lançar livro polêmico, ser patrocinado pela Nike.
            Agora vamos ao mito, ou seja, para dentro do cage, levado em consideração pela capacidade física, habilidade natural e uma impressionante inteligência mental/corporal para o duelo, além de momentos de certa benção divina (como a vitoria na primeira luta contra Chael Sonnen), Anderson Silva surpreendia a cada luta, mas principalmente com um detalhe, suas lutas foram vencidas em 75% na parte mental, e isso não é demérito ao atleta, muito pelo contrario, o que me admira que aquele cara do ambiente de luta nada tinha a ver com o cara das entrevistas e dos momentos “comerciais”, já que ao falar, sempre agiu de forma estranha, as declarações sempre pareceram dúbias e deixam transparecer algo que se quer esconder, talvez aqui o mito queira ser criado também, mas não vejo muito como. Então o mestre do duelo mental vai enfrentar o jovem lutador e psicólogo com 10 anos a menos e três centímetros de envergadura a mais, chega Anderson com sua camiseta da Nike dizendo em letras de design moderno “Anderson sabe” e isto basta, é o que querem nos impor, e nenhuma teoria da conspiração suscitaremos, eu juro (estou farto disso), o cara então cai, e o mundo parece não acreditar, mas nesta hora a humanidade precisa tomar consciência e deixar a fantasia, pois até o invencível Jon Jones declara e toma esta consciência, todos somos humanos, menos que herói o humano é mortal, é carne, é barro; e lá está o mistério novamente tomando forma, Anderson havia dito (em tom de brincadeira?) que o ideal naquela noite seria a vitoria de Weidman, e este ficou de pé porque foi o único que mesmo abalado psicologicamente não se entregou, não entregou o corpo aos lapsos da mente, mas continuou lutando contra si próprio, e todos os livros dos grandes psicólogos lhe valeram naquela noite.
            Agora era o momento da historia perfeita para o herói, não ainda para o mito, mas para o herói que voltaria e mostraria que o erro do seu lado humano seria substituído pelo poder do lado divino, e o mundo todo acreditava nisso, porém algo não parecia estar certo, apesar da mesma fala irônica, o semblante era triste, ele volta a assinar contrato com o Corinthians, ele abandona o inglês esforçado da entrevista ao UFC e volta à língua materna, ele está quieto demais. Ele anda com uma nova roupa, uma jaqueta branca com um símbolo pouco identificável visto da tevê, cadê os patrocinadores? Finalmente ele entra, camiseta do time, mas cadê a Nike? Ele tenta falar com alguém antes de entrar na jaula, Mario Yamasaki não deixa, e o primeiro round acontece como todos esperavam, com uma diferença, ele está serio de mais, o segundo round e ele está serio de mais, de mais para Anderson Silva, tudo acontece como de costume, mas a única diferença é que mesmo perdendo os rounds ele sempre foi o dono da situação, sempre manteve o adversário abalado, aquele que batia levava uma surra mental, desta vez não, o jogo virou, Chis estava sóbrio e Anderson estava sem espírito, era simplesmente físico, era somente razão, havia entrado sem fantasia, sem o onírico absurdo do seu mundo dentro do ringue, era simplesmente o melhor lutador de todos os tempos, mas já não era mito, nem herói.   

Notas:
BRUGGER, Walter. Dicionário de Filosofia. Editora Herder: São Paulo, 1961.
VOZES. Léxico Vozes – informações gerais para o desenvolvimento dos profissionais Vozes. Editora Vozes: Petrópolis.

Diego Marcell
29-12-13