Quando
o Anderson Silva quebrou a perna eu havia escrito uma crônica onde dizia que
aquele Anderson Silva havia entrado com a força e habilidade pra surrar
qualquer um, mas não havia entrado com o espírito que lhe garantiu tantas
defesas de cinturão. Na primeira luta com Weidman ele havia entrado na mente do
adversário, já tinha 50% da luta, mas deixou escapar seu domínio pelo excesso,
coisa que na segunda luta não aconteceu, ao entrar sem o domínio mental ele
canalizou todo seu ser na força e na técnica e acabou sendo derrotado por si
mesmo ao dar murro em ponta de faca.
Quando
fez sua luta no Brasil contra o Okami ficou claro que o japonês perdeu pra sua
própria mente, era um espírito fraco, incapaz de lutar. Nietzsche diz que os
fracos não conseguem vingar neste mundo e portanto desejam excluir seus
adversários que por serem fortes os consideram maus, fazendo a partir desta
conclusão a noção de bom; já os fortes se veem bons e apenas desconsideram os
fracos, os veem como desnecessários, pois estes nada podem agregar aos fortes;
o bom quer outro semelhante para enfrentar pois testar-se contra outro tão bom
é que o fará evoluir, essa lógica se aplica na luta, neste caso no MMA e
naqueles que desejam ser campeões mundiais. Muitos querem este título sem enfrentar
os melhores, claramente não possuem a mente necessária.
Nick
Diaz queria George St Pierre, ele acreditava que era melhor, e ele só queria
este tipo de luta, luta que interessa. Deem uma boa grana e ele enfrenta
qualquer um, ofereçam Cain Velasquez e ele irá encará-lo. Diaz é das ruas, ele
é um gangster, não como Sonnen, apesar de este também ser um espírito forte,
que mesmo não tendo uma carreira relevante conseguiu convencer o mundo de que
ele era o melhor (pelo menos por alguns dias). Diaz nunca quis isso, seu modo é
outro, ele não segue o estilo McGregor, na verdade ele não segue nenhum estilo
desses, ele é diferente de todos, ele é apenas ele mesmo.
Após
a pesagem Diaz disse de maneira calculista que ambos iam subir lá e lutar e
isso era tudo, porém cumprir isso era mais do que qualquer um já tinha feito.
Ele sempre foi um lutador da categoria dos 77 kg, e Anderson dos 84 com grandes
feitos no 93, isso nunca fez muito sentido, a não ser para Diaz. O casamento de
luta perfeito, para o público, para o UFC, para o mercado, menos para Anderson
Silva. Sinceramente não estava tão curioso quanto a como se apresentaria o
ex-campeão da categoria, apesar de todo papo de trauma, etc, mas estava
centrado e sem ter ideia de como seu adversário se portaria. Só ele sabia o que
deveria ser feito e só ele tinha a mente para fazer o que teria que ser feito.
Ele não fez antes, ele não disse antes, como a maioria faz. Ele disse e fez
somente quando a gaiola fechou, ele ia encarar, ele tinha programado tudo em
sua mente e ela não ia abandoná-lo quando o Anderson Mito lhe chutasse, Diaz é
da rua, ele quer briga, e ele não vai correr. Ele chamou, ele deitou e fez pose
pra foto, ele parodiou Anderson indo pra grade e perguntando se era assim que
fazia, perguntou se agora o Spider faria aquilo, mostraria como era, mas nada,
Anderson se manteve contido, se manteve na corda bamba, ameaçou aquele bailado
de braços, mas não com tanta soltura quanto Diaz, este foi pra cima, era
preciso uma mente mais poderosa que qualquer técnica e qualquer força para
para-lo, pois ele sabia que aquilo valeria muito mais que o cinturão perdido
pra GSP, valeria mais que a grana do Mayweather, estar ali e frustrar o mundo
não tinha preço.
Anderson venceu, talvez
os cinco rounds, foi uma vitória pessoal, porém não visual. Ele tem feito
conexões importantes pra sua carreira, coisa que tem faltado a José Aldo, por
exemplo, ao subir na jaula e abraçar Fábio Maldonado após sua vitória, ao
cumprimentar Jon Jones após a luta, ao trabalhar sua imagem, ele aprendeu a
jogar o jogo com a idade. Aldo tem tentado, parafraseando Romário ele tenta
entrar no jogo, mas nesta área seu adversário já chegou preparado, enquanto o
campeão ensaia. Aldo deveria ter se preparado, deveria ter pego sua fantasia de
rei e sentado deveria ter aplaudido o bobo, deveria ter subido no octógono após
a luta do irlandês e no melhor estilo business deveria ter vestido o personagem
e encenado como no Pride, como fazem os grandes fanfarrões/campeões como Tito
Ortiz e Rampage, porém isto não faz parte dele, talvez por questões
socioculturais, talvez por natureza. Mas importa a cada um encontrar-se, e Diaz
é um exemplo, Anderson é outro, assim como Jones, não existem similares, eles
são assim. São fortes. Uma mente forte conhece seu corpo e por isso o domina,
não foi o caso do Gustafsson, por exemplo, este pensou que depois da sua luta
pelo título ele era o verdadeiro campeão, subestimou a força de Anthony Johnson,
perdeu porque deixou a mente ir além de onde ela deveria, soltou o balão e
deixou o corpo a mostra.
Em ‘Schopenhauer
educador’ Nietzsche diz que “o enigma que o homem deve resolver, ele só pode
resolvê-lo a partir do ser, no ser assim e não ser outro, no imperecível”,
muitos estão neste caminho, mas precisamos ir além, enquanto ontem muito do
público do pop Anderson “the spider” Silva não tinham ideia de quem era aquele
fracote do seu adversário e não entendiam o que estava acontecendo, hoje eles
passaram a saber que existe Nick Diaz e tudo porque dentro da teoria
nietzscheniana existem transmutações que o espírito deve passar: ele deve
tornar-se camelo, depois de camelo para leão e finalmente de leão para criança.
O estágio do leão é aquele que quer encontrar a liberdade e se tornar senhor do
seu próprio deserto, este quer lutar contra seu maior adversário, contra o
ultimo deus, contra o grande dragão, porém ainda é preciso transformar-se em
criança, isso Nietzsche nos ensina em ‘Assim falou Zaratustra’, pois ela pode o
que nem o leão pode, e naquele UFC 183 não bastava ser leão, Silva vs Diaz, que
incrível fenômeno presenciamos, nenhum vexame, nenhuma vergonha ao esporte ou
aos seus deuses, tudo porque como diz o filósofo alemão sobre o último
transmutar do espírito “inocência é a criança, e esquecimento, um
começar-de-novo, um jogo, uma roda rodando por si mesma, um primeiro movimento,
um sagrado dizer-sim. Sim, para o jogo de criar, meus irmãos, é preciso um
sagrado dizer-sim: sua vontade quer agora o espírito, seu mundo ganha para si o
perdido mundo” e foi justamente isso, Anderson venceu para os juízes, mas Nick
Diaz venceu para o espírito do esporte, mostrando que já são outras coisas que
importam ele transformou-se num criador de valores simplesmente por subir lá e
lutar; tudo que disse após a luta foi real, ele ria, porque ele vive, para
Nietzsche viver é o dionisíaco e saber é apolíneo, quando Anderson perdeu seu
título ele vestia uma camiseta que dizia que ele sabia, assim como Apolo ele
dominava sua técnica, mas é preciso ir além, ir para Dionísio e experimentar a
vida como nunca antes, e é isto que Nick Diaz nos ensinou neste dia, ser
criador de novos valores, tão mitológico por ser demasiadamente humano!
01-02-2015
Diego
Marcell é formado em Teologia e faz especialização em
Ensino de Filosofia no Ensino Médio. Autor do livro Crônica da filosofia
brasileira – pós-modernidade, metafísica e estética no cotidiano.
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